Modelo projetado para atender à legislação vigente usa dados de biodiversidade, paisagem e serviços ecossistêmicos e poderá dar suporte a políticas públicas
Luciana Constantino (Agência Fapesp) – Com recordes sucessivos de altas temperaturas no mundo e a ocorrência mais frequente de eventos climáticos extremos, a restauração ecológica de áreas degradadas e os novos mercados que a envolvem – como o de carbono e o de biodiversidade – têm ganhado destaque. Nesse cenário, pesquisadores brasileiros desenvolveram uma ferramenta para tornar mais eficazes esquemas de compensação ambiental, uma obrigação legal para minimizar ou reparar danos causados pela ação humana ao meio ambiente.
Chamada de Condition Assessment Framework (nome em inglês para Esquema de Avaliação de Condição Ambiental), a nova ferramenta permite avaliar a equivalência ecológica de uma área a ser restaurada ou protegida em relação à degradada considerando três importantes atributos: biodiversidade, paisagem e serviços ecossistêmicos. Foi projetada para atender com compensações mais precisas às exigências de reserva legal da Lei de Proteção da Vegetação Nativa (nº 12.651/2012) e teve como sistema de estudo a Mata Atlântica, um dos biomas mais biodiversos e ameaçados no mundo.
Apontou que a combinação de proteção e restauração é a melhor alternativa para resolver os chamados “déficits de vegetação nativa”, garantindo benefícios ambientais e socioeconômicos. Esses déficits ocorrem quando a cobertura de floresta em uma propriedade está abaixo do mínimo exigido por lei, não sendo suficiente para auxiliar na manutenção da capacidade de funcionamento dos ecossistemas, com biodiversidade e ciclos de água e carbono equilibrados, por exemplo.
Os resultados da aplicação do Condition Assessment Framework mostraram que proteção seguida de restauração conseguiu resolver 99,47% do déficit no bioma Mata Atlântica no Estado de São Paulo, com adicionalidade e custo (US$ 1,29 bilhão) intermediários. Vale explicar que, no contexto ambiental, a adicionalidade ocorre quando os resultados positivos gerados, como a redução de emissões, não teriam ocorrido de outra maneira, ou seja, sem que o projeto específico fosse realizado.
Quando as estratégias são analisadas individualmente, a restauração é a mais eficaz e com maior adicionalidade (98,99% de resolução), porém tem valor elevado (US$ 2,1 bilhões). Em seguida, com eficácia bem menor, ficaram as estratégias de proteção (40,22% e US$ 14,3 milhões) e regularização fundiária em Unidades de Conservação (0,15% e US$ 104 mil).
O modelo, segundo os cientistas, é o primeiro a integrar as demandas atuais de avaliação de equivalência, a partir de um método relativamente simples e de dados espacialmente explícitos analisados em Sistemas de Informações Geográficas (GIS). Flexível, permite adaptação para outros biomas e legislações, mostrando-se uma inovação promissora a ser usada em projetos de compensação e conservação.
Distribuição espacial do déficit de Reserva Legal (RL) em hectares (ha) resolvido em cada hexágono pelas estratégias de compensação aplicadas nos cenários testados. No primeiro cenário, o teste foi apenas da estratégia de proteção da floresta usando somente os excedentes de RL. No segundo, a área de proteção foi o excedente somada às RL de pequenas propriedades (< 4 módulos fiscais). No terceiro e no quarto cenários, as estratégias de restauração e de regularização fundiária em Unidade de Conservação (UC) foram testadas separadamente. Por fim, os últimos cenários testaram formas de proteção seguidas de restauração, apresentando resultados muitos semelhantes e que demonstraram o melhor custo-benefício para compensação de RL
No futuro, pode vir a ser adaptado a créditos de biodiversidade – um novo mercado em formulação que busca financiar iniciativas de conservação, protegendo ou restaurando espécies nativas – e para análise de corredores ecológicos.
A descrição da metodologia está publicada em um artigo na revista Environmental and Sustainability Indicators e os resultados da aplicação do método estão em outro na Environmental Impact Assessment Review.
“Fizemos o teste na Mata Atlântica, avaliando uma região no interior do Estado de São Paulo e outra na parte costeira. Observamos que o método realmente detecta as diferenças ambientais entre áreas. No interior, apesar de mais desmatado, é possível encontrar mais áreas ecologicamente equivalentes do que próximo à costa, onde há muita heterogeneidade ambiental”, diz a pesquisadora Clarice Borges-Matos, primeira autora dos artigos, que à época estava no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) e, atualmente, está na Escola Politécnica (Poli) da USP.
Apoiada pela FAPESP por meio do Programa BIOTA e de bolsas (17/26684-4 e 18/22881-2), a pesquisa é parte do doutorado de Borges-Matos, sob a orientação do professor Jean Paul Metzger, que também assina os dois artigos.
“A tese foi focada em como medir a equivalência ecológica e mostrar a possibilidade de fazer uma compensação usando esses critérios. Ao levar a equivalência em consideração, as áreas a serem compensadas terão similaridade com as originalmente devastadas, tanto em biodiversidade como em serviços ecossistêmicos. Por exemplo, se uma mata oferecia o serviço de polinização, é preciso que ele continue existindo em áreas a serem compensadas. A equivalência deve ser tanto em termos de composição de espécies quanto de função ecológica”, explica Metzger à Agência FAPESP.
A legislação
A Lei de Proteção da Vegetação Nativa, conhecida como novo Código Florestal, estabelece regras para uso da terra e proteção ambiental dentro de propriedades privadas, as chamadas reservas legais. Exige que uma parte da área rural seja mantida com vegetação nativa, sem prejuízo da aplicação das normas sobre as Áreas de Preservação Permanente.
Nos Estados da Amazônia Legal, é obrigatório manter a cobertura de vegetação em 80% da área dos imóveis situados na floresta, em 35% no Cerrado e 20% em campos gerais – o mesmo porcentual para o restante do país.
Os déficits na extensão da reserva legal devem ser compensados por meio de proteção da vegetação existente em outra propriedade ou restauração. A única exigência ambiental é que a compensação seja realizada dentro do mesmo bioma onde há o déficit.
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela equivalência ecológica de espécies e ecossistemas específicos em negociações de compensação de reserva legal. Em um novo julgamento, cinco anos depois, estabeleceu que a equivalência deveria ser estendida a todas as formas de compensação presentes na lei. Essa exigência, no entanto, foi questionada sob argumentos como: falta de definição das formas de mensurar a equivalência ecológica e dos níveis de equivalência a serem buscados.
Em 2024, o STF manteve o bioma como único mecanismo compensatório. Ter apenas esse critério como requerimento ambiental pode levar à implementação das compensações para áreas muito distintas daquelas onde houve a perda de vegetação, já que os biomas brasileiros são muito heterogêneos. Além disso, em algumas regiões, como em São Paulo, é possível que toda ou a maior parte das áreas compensadas fique em excedentes de reserva legal, ou seja, vegetação já existente, com pouca restauração.
A equivalência ecológica é importante não só para assegurar ambientes e recursos aos animais e plantas nativas como para proteger fontes e cursos d’água, conter erosões, além da manutenção de outros serviços ecossistêmicos, entre eles a polinização natural, indispensável para boa parte da agricultura.
“A restauração ecológica tem sido vista como uma questão funcional, não apenas de área. Na hierarquia da mitigação [um esquema aplicado para controlar impactos de empreendimentos sobre o meio ambiente], se não conseguimos evitar o dano, é necessário minimizá-lo e compensá-lo com impacto positivo. Nesse sentido, métricas como essas são muito úteis e poderão ser usadas de várias formas”, completa Metzger, que estuda o tema há anos e participou como autor principal da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês).
O Brasil reafirmou recentemente a meta estabelecida no Acordo de Paris de restaurar pelo menos 12 milhões de hectares de florestas até 2030 – uma área pouco menor que o território do Amapá. Em outubro de 2024, lançou a revisão do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), que define diretrizes para acelerar e dar escala à restauração.
De acordo com a rede MapBiomas, o Brasil teve entre 11% e 25% de sua vegetação nativa suscetível à degradação entre 1986 e 2021 – correspondente a uma área que varia de 60,3 milhões de hectares a 135 milhões de hectares. A Amazônia, por exemplo, somente no ano passado teve a maior área degradada dos últimos 15 anos por causa do aumento dos incêndios. Enquanto no desmatamento a vegetação é totalmente cortada, na degradação há perda gradual, decorrente do fogo, da remoção de árvores selecionadas e dos efeitos das mudanças climáticas.
Na prática
Ao aplicar o método na Mata Atlântica em São Paulo, os pesquisadores concluíram que as regiões mais próximas à costa (sul do Estado) apresentaram atributos com valores mais positivos em termos ambientais e maior heterogeneidade espacial do que as áreas do interior (noroeste), com padrão oposto.
Para a seleção dos atributos de equivalência ecológica foram analisados dados que incluem desde a variedade de espécies de pássaros, anfíbios e árvores até a cobertura florestal e estoque de carbono. Os atributos são inseridos individualmente, permitindo várias análises. E os atributos selecionados são apresentados de forma separada, garantindo transparência e entendimento do que será compensado.
Borges-Matos iniciou os estudos de sua tese fazendo uma revisão bibliográfica sobre as métricas de equivalência ecológica utilizadas em compensações ambientais já desenvolvidas e propostas até 2023. O resultado foi publicado na revista Environmental Management.
No ano em que a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) é realizada pela primeira vez na Amazônia, os resultados obtidos na pesquisa ganham ainda mais importância, pois podem ampliar o entendimento de que a integração da equivalência ecológica em negociações traz benefícios sociais, econômicos e ambientais. Além de conservar a biodiversidade e retornar serviços ecossistêmicos perdidos, contribuem para mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas, com benefícios para comunidades locais e produtores rurais, avaliam os cientistas.
Os artigos A new methodological framework to assess ecological equivalence in compensation schemes e Combining protection and restoration strategies enables cost-effective compensation with ecological equivalence in Brazil podem ser lidos, respectivamente, em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S2665972725000169?via%3Dihub#bib58 e www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0195925525001192.