Os custos e benefícios da restauração da Mata Atlântica ainda precisam ser melhor quantificados. Esta foi a conclusão de um novo estudo que contou com a participação de pesquisadores vinculados ao projeto Biota Síntese, vinculado ao Programa Biota/Fapesp, publicado na revista Restoration Ecology da Sociedade Internacional para Restauração Ecológica (SER – Society for Ecology Restoration).
Intitulado “Custos e benefícios da restauração ainda são pouco quantificados: evidências de uma revisão sistemática da literatura sobre a Mata Atlântica brasileira”, o estudo se valeu de uma revisão sistemática de literatura de artigos publicados em periódicos científicos entre os anos de 2001 a 2021 que abordaram diferentes tipos de restauração florestal em áreas previamente degradadas da Mata Atlântica. Os pesquisadores encontraram apenas quinze artigos sobre o tema com informações acerca dos aspectos econômicos da restauração, além dos dados de quantificação monetária dos custos e benefícios. Dez artigos quantificaram os custos da restauração florestal, enquanto sete quantificaram os benefícios econômicos. Porém, apenas dois artigos detalharam simultaneamente tanto os custos como também os benefícios. Dos quinze artigos levantados, 11 foram publicados entre os anos de 2018 a 2021.
Para Lorenz Schimetka, da Universidade de Wageningen (Holanda) e autor principal do artigo, o estudo mostra que existe uma lacuna de conhecimento científico sobre os custos e benefícios da restauração florestal. “Na Década da ONU da Restauração de Ecossistemas quando governos em todo o mundo assumem (e agem de acordo com) compromissos de restauração florestal, é muito importante saber quanto custa para tentar cumpri-los. Sem essa informação, seria uma jornada rumo ao desconhecido. A mesma coisa se aplica aos benefícios. Por exemplo, da perspectiva do proprietário é interessante saber se há alguma utilidade econômica da terra depois da restauração, se existem incentivos e, em caso afirmativo, quais e quanto representa”, explica Schimetka.
O autor pontua, ainda, que a Mata Atlântica é um dos chamados hotspots de biodiversidade, ou seja, regiões com níveis altos de biodiversidade que também estão em perigo devido às atividades humanas. Além disso, é também um hotspot de restauração florestal. “A Mata Atlântica é um bioma onde a restauração florestal já foi bem estudada, graças ao trabalho científico incrível que já foi realizado lá. Isso é uma condição prévia necessária para fazer uma revisão sistemática de publicações sobre o tópico”, destaca Schimetka.
Para os autores, o pequeno número de publicações (15) encontradas não seria um problema se essas fossem mais detalhadas na questão dos custos e benefícios. “Com algumas exceções, muitas delas não têm um foco científico no bioma inteiro ou não distinguem os valores econômicos de maneira detalhada, focando, por vezes, em lugares específicos e em valores genéricos, isso mostra que o conhecimento científico sobre a rentabilidade da restauração florestal hoje é limitado (para ser aplicado na prática)”, explica Schimetka.
Os autores também identificaram que os estudos, até o momento, se concentram principalmente nos estados do sudeste, em particular no estado de São Paulo (nove estudos). Minas Gerais contabilizou dois estudos, Espírito Santo apenas um e o estado do Rio de Janeiro não aparecia nos artigos selecionados. Ainda que o Sudeste concentre 45% da área de Mata Atlântica brasileira preservada, ela se estende por quinze estados, dos quais nove não estavam presentes entre os artigos selecionados e analisados.
Metas e caminhos da restauração no Estado de São Paulo
Em 2016, o Brasil assumiu o compromisso de restaurar 12 milhões de hectares até 2030 ao assinar o Acordo de Paris; já o estado de São Paulo tem como meta a restauração de 1,5 milhão de hectares até 2050, proposta assumida na COP 26, realizada em Glasgow na Escócia. “Esses grandes números com os quais os governos e a sociedade estão se comprometendo evidentemente requerem a criação de planos e programas factíveis, o que envolve clareza dos custos”, explicou Rafael Chaves, da Secretaria do Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo (SEMIL) e pesquisador do projeto Biota Síntese. “Custos também são uma informação crucial para financiadores e executores de projetos, já a clareza sobre os benefícios é um motivador fundamental para migrarmos da lógica de restauração exclusivamente em cumprimento à lei para a lógica da restauração de forma a obter diversos benefícios econômicos, sociais e ambientais, gerando maior engajamento entre os diversos setores da sociedade para que os grandes números virem realidade”, explica Chaves.
Desde a colonização do Brasil pelos portugueses, a Mata Atlântica tem sofrido diversos impactos, sendo considerada a primeira fronteira do desmatamento desde a exploração do Pau-Brasil e outros produtos florestais. “Atualmente cerca de 70% da população brasileira vive dentro das fronteiras do domínio da Mata Atlântica e por isso seus serviços ecossistêmicos são destacadamente importantes”, comentou o engenheiro florestal Pedro Krainovic, pesquisador de pós-doutorado no projeto Biota Síntese e um dos autores do artigo. Entre os serviços ecossistêmicos oferecidos pelo bioma é possível mencionar o provisionamento de água e o sequestro de carbono, a proteção dos solos e da biodiversidade e a polinização, que se relaciona com a produtividade agrícola. Doutor em Ciências Florestais Tropicais, Krainovic também acrescentou que outros produtos florestais deste bioma podem dar início a uma cadeia importante de suprimentos de produtos (como madeiras, frutos, óleos e resinas) que podem gerar emprego e renda.
Além de melhorar e ampliar os serviços ecossistêmicos, os benefícios da restauração de paisagens florestais da Mata Atlântica incluem a possibilidade de elaborar um planejamento para atingir multifuncionalidade, ou seja, quando uma floresta é capaz de manter suas características naturais ao mesmo tempo em que possui atratividade econômica para proprietários de terra. “Por exemplo, o Estado de São Paulo é o principal consumidor interno de madeira nativa da Amazônia e isso poderia ser gradualmente substituído (ou diminuído) mediante a produção de madeira nativa da restauração planejada da Mata Atlântica, ao mesmo tempo em que se aumenta área de cobertura florestal biodiversa, também com provisionamento de serviços intangíveis (como sequestro de carbono, proteção do solo, melhoria da qualidade da água e manutenção da biodiversidade)”, explica Krainovic.
Rafael Chaves reconheceu que as políticas públicas são o palco de confronto e tentativa de conciliação entre as demandas de diversos setores da sociedade: “quando falamos em restauração, estamos falando em ocupar uma parte de um território que poderia ter diversos usos possíveis”. Monocultivos agrícolas, por exemplo, possuem custos e benefícios conhecidos e bem comunicados devido a sua importância para a balança comercial no Brasil. Chaves acrescenta que, por outro lado, “diversas áreas que foram inicialmente desmatadas para usos agrícolas estão hoje degradadas e com baixíssima produtividade, especialmente em pastagens. A restauração também pode ser, como a agricultura, uma geradora importante de receitas, com a vantagem de recuperar o solo, fixar carbono e oferecer múltiplos benefícios ambientais e socioeconômicos, sem deslocar cultivos agrícolas produtivos”.
“Mapear de modo eficiente os custos e benefícios da restauração é uma etapa fundamental para colocar a restauração como uma das alternativas eficientes de uso do solo, posicionando-a como elemento estruturante de políticas públicas benéficas, inclusivas e justas, que gerem receita e oportunidades com responsabilidade socioambiental”, complementa Chaves, e cita como exemplo o programa Refloresta-SP promovido pelo estado de São Paulo no qual uma plataforma digital geradora de recomendações de Florestas Multifuncionais é disponibilizada para proprietários rurais. Esta plataforma indica as espécies com potencial para uso econômico sustentável que são adaptadas à região pesquisada. “O proprietário rural monta uma combinação de seu interesse e visualiza quanto vai custar implantar e qual é o retorno esperado ano a ano”, explicou. “Esse é um caso no qual os custos e alguns dos benefícios são sistematizados e comunicados de modo a ajudar quem toma a decisão de como usar suas terras a entender como a restauração pode gerar renda e ao mesmo tempo melhorar a qualidade ambiental”, finaliza Chaves.
por Pedro Duarte
Formado em Jornalismo pela FAAP, está cursando a pós-graduação em Jornalismo Científico pelo Labjor Unicamp. Faz estágio no Biota Síntese por meio da bolsa Mídia Ciência de Jornalismo Científico concedida pela FAPESP.
Artigo completo (acesso livre):
Schimetka, L.R., Ruggiero, P.G.C., Carvalho, R.L., Behagel, J., Metzger, J.P., Nascimento, N., Chaves, R.B., Brancalion, P.H.S., Rodrigues, R.R. and Krainovic, P.M. (2024), Costs and benefits of restoration are still poorly quantified: evidence from a systematic literature review on the Brazilian Atlantic Forest. Restor Ecol, 32: e14161. https://doi.org/10.1111/rec.14161
Repercussão na mídia:
Folha de S.Paulo – Custos e benefícios do reflorestamento da mata atlântica são pouco conhecidos, aponta estudo
Agência Fapesp – Custos e benefícios do reflorestamento da Mata Atlântica ainda são pouco conhecidos, aponta estudo